Contos

Conversem entre vocês

Chegou no bar pontualmente às 10 da noite. Sedento por uma IPA após um dia exaustivo no trabalho, sentou em uma mesa e chamou o garçom:

– Primeiramente, Fora Temer. Em segundo, o que o senhor deseja?

– Oi?

– Oi

– Não entendi.

– Como assim não entendeu?

– Ah, esquece. Me dá uma Capivara.

– Certo. Visse as notícias do dia?

– Qual delas?

– Estão querendo prender o ex-presidente.

– E daí?

– Olha, eu acho que independente de direita ou esquerda, se roubou, tem que ser preso.

– Cara, me traz a cerveja, por favor! Não quero discutir política, não.

– Isentão!

Apesar de resmungar no fim, o garçom trouxe a cerveja. E juntou vá deixou um cardápio.

– Ei, garçom! Isso aqui não é um cardápio. É um álbum de fotos de gatinhos.

– Sim, eles são da minha mulher. Fofos, né?

– Mas por que diabos tu deixou isso aqui?

– Para tu veres, ora!

– Mas eu não quero ver isso. Quero saber o que tem de comida, pô! Podes me buscar o cardápio?

– Sim, já estou trazendo.

—-

O cardápio veio. Ele escolheu o seu hamburguer favorito e o garçom foi embora levando o cardápio e o álbum de fotos, que acabou deixando em outra mesa, com outros clientes. Enquanto o esperava o lanche, foi abordado por um casal que estava na outra mesa.

– Ooooi. Queres ver o que a gente está comendo?

– Oi?? Porque?

– Olha só, que petisco bom!

– Por que vocês estão fazendo isso? Estou nem aí para o que vocês estão comendo!

– Que gente grossa está vindo para cá, não? – falou a mulher para o namorado.

—–

O hambúrguer chegou. Com muita fome, ele queria devorar rápido o lanche, mas foi interrompido por um sujeito de terno e gravata com uma bíblia na mão, que recém tinha chegado no bar.

– O senhor teria um momento? Vim aqui trazer a palavra do nosso senhor? – perguntou o religioso.

– Desculpa aí, eu não sou cristão – respondeu o cliente.

– Deve ser ateu esquerdista – comentou um sujeito em outra mesa.

– Petralha, provavelmente – emendou outro.

– Por acaso eu pedi a opinião de vocês? Quem vocês pensam que são? – se irritou o cliente com os outros no bar.

– Desculpe, não vou mais incomodá-lo – falou o religioso.

—-

Depois da perturbação do religioso, ele conseguiu acabar o lanche. E foi nessa hora que entrou seu amigo, que havia combinado para conversar. O sujeito chegou empolgado no bar, sentou-se na mesa, pediu uma cerveja e foi direto ao assunto com o amigo.

– Olha essa guria (mostrando uma foto no celular). Júlia, 27 anos. Sairias com ela?

– Ela bonita, mas eu só sei isso dela. Nem conheço…

– Ela é professora, gosta de MPB e de andar de bicicleta.

– Tá, ainda sim…sei lá.

– E essa aqui? Andressa, 30 anos, publicitária. Ela quer algo sério…

– Cara, eu não vou escolher mulher assim. Nem sei de onde tu tirou essas fotos.

– Deixa de ser besta, essas mulheres estão aqui no bar.

– Oi??? Elas estão aqui? Não é mais fácil ir ali e falar com elas?

– Se elas aceitarem…

– Oi?

– Cara. Sem enrolação. Queres sair com uma delas ou não? Sem perguntas, sim ou não?

– Eu prefiro conversar com as mulheres antes de decidir se já estou interessado ou não.

– Mas aí perde muito tempo, cara. Tem que ser mais prático, mais objetivo, saca?

A estranha conversa entre os amigos foi interrompida pelo garçom, que perguntou se ambos queriam mais cerveja. A discussão sobre como conversar com as mulheres foi deixada de lado momentaneamente para resolver uma questão mais urgente: tirar o garçom estranho que fica mostrando as fotos dos gatos de sua esposa dali de perto:

– Eu vou querer mais uma IPA

– Eu também, de meio litro.

– Ok, anotado o pedido de vocês.

– Ei, Garçom, podes me passar a senha do Wifi?

– Não tem WiFi aqui. Conversem entre vocês!

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