Contos

Três Pipas

Três Pipas

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Lá na Putaqueopariu, ir na Igreja todos os domingos é algo sagrado. Mas há outros ritos que o povo cumpre rigorosamente. O Bar e Cancha do Tonho faz parte do cotidiano da comunidade. Todo santo dia, os trabalhadores da região se dirigem ao local, após o expediente. O dono da farmácia, o borracheiro, o padeiro, o cara da Lan House, todo mundo se encontra para discutir os assuntos do dia.

Nos últimos dias, o bar ganhou um cliente inusitado. Ninguém sabia o nome dele, o que fazia da vida, como foi parar ali. Alguns diziam que ele era da Casa do Caralho, outros, de Onde Judas Perdeu as Botas. Mas o fato é que aqule senhor, com a camisa da loja de eletrodomésticos, chegava pontualmente às 18h, sentava-se no canto do balcão, pedia três doses de cachaça e ficava em silêncio.

Naquela terça-feira chuvosa não foi diferente. Quando a primeira dose ia para a garganta, todos acompanhavam atentamente, como se fosse um programa na televisão. Mas o que diabos esse homem faz aqui? Em silêncio, bebendo sozinho? Após apreciar o misterioso, os clientes voltaram a sua rotina diária. Era quarta-feira e tinha o primeiro jogo da final do futebol.

Em dia de jogo, a guarda da Putaqueopariu já ficava de olho no bar. Sempre dava briga. Hoje então, o alerta era maior ainda. O borracheiro devia dois engradados para o dono da carrocinha de cachorrro-quente. Motivo: aposta no futebol. Todos sabiam que o Pedro viria naquela noite para cobrar o que era de direito.

  • Na boa, paga os engradados antes que dê merda – avisava o padeiro ao borracheiro.
  • Podes me pagar depois, deixa na conta – dizia o Tonho, tentando ajudar.

Ninguém pediu cachorro-quente, mas o dono da carrocinha apareceu. Chegou tranquilo, pediu uma gelada no balcão e sentou-se em frente a TV. O silênciou reinou no bar. Todos olhavam apreensivos os apostadores, para saber qual seria o final da história. Incomodado com o silêncio, o borracheiro resolveu tomar a iniciativa. Foi até a mesa do Pedro, que se levantou rapidamente e disparou:

  • Qualé feladaputa? Vai pagar quando as minhas cervas?
  • Que isso, malandro? Eu sou da paz! Vai ficar tudo supimpa, tá ligado?
  • Supimpa de cu é rola, mané! Paga essa porra logo, se não tu tá fu, mermão!
  • Vão brigar lá na Casa do Caralho – disse Tonho, ameaçando expulsar os dois.
  • Vai ameaçar a tua mãe, respondeu Pedro, ainda mais irritado.

O padeiro, que era o mais tranquilo dos clientes, saiu de fininho do bar à procura dos guardas. Já os seus amigos fizeram uma roda em volta dos apostadores e se tornaram platéia da guerra que estava para começar. O bicheiro já preparava o bolão para saber quem seria o vencedor quando o cliente misterioso saiu correndo do balcão em direção a arena da batalha. Com um bafo de cachaça capaz de desmaiar uma donzela com um beijo, começou a cantar:

  • Se fosse só sentir saudade. Mas tem sempre algo mais, seja como for, é uma dor que dói no peito..

O vozerão era ótimo. O bêbado entrou no meio do campo de batalha e se revelou um grande cantor. Os clientes, sedentos por sangue e cerveja, passaram a apreciar o espetáculo artístico que surgia. A canção terminou e o artista voltou para o canto do balcão.

Zé foi embora avisando que voltaria outro dia para cobrar os engradados do borracheiro. Quando o jogo começou, o cantor pagou a conta e foi embora.

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