Contos

Dois e trinta

catraca

Você vai ao teatro todos os dias? Eu vou! De segunda a sexta-feira, eu assisto um espetáculo diferente, num palco sobre rodas. E o melhor de tudo, a entrada custa apenas R$ 2,30. Esses palcos ambulantes têm em média 42 lugares e busca a platéia em casa. Eu sou sempre um dos primeiros a entrar e com isso, pego sempre um ótimo lugar.

Cumprimento o homem da bilheteria e vou direto ao meu lugar. Fico bem na frente do palco. Naquela terça-feira, o gordinho do despachante voltou a sentar do meu lado, para minha infelicidade. O espetáculo é visual, mas ele sempre prefere a música. Com seu Ipod no volume máximo, consigo escutar seus hits. A banha da barriga dele também incomoda. Sabe, ela cai para os lados, se sentar alguém igual do lado, eu me sento apertado.

O palco vai em busca de mais público. O local começa a encher e eis que surge o artista. Malabares nas mãos, é hora do espetáculo. Toda a vez que o auditório começa a encher, ele se apresenta. Sua arte é impressionante. Gostaria de ter habilidades manuais com ele.

O problema é que na maioria dos dias, e nesta terça-feira não foi diferente, o local enche demais. E sabe como é, na aglomeração, sempre começa o tumulto. É gente se empurrando em pé para um lado, cheiro de suvaco do outro, e todos começam a ficar irritados. É por isso que eu adoro ser o primeiro a chegar. Sentado, assisto ao incômodo do outros como um espetáculo paralelo.

Pobre artista, além de não ficar com nada do ingresso, ainda precisa ouvir insultos da platéia. Não é atoa, também. Nosso auditório se move em alta velocidade e, às vezes, para bruscamente. Aí vai os malabares na cabeça do gordinho – bem na hora do refrão da música. Uma vez o pudim de banha ameaçou agredir o artista, caso ele não fosse embora. Hoje, não foi diferente:

  • Filho da puta! Tu de novo? Para com essa palhaçada, porra! Já deu!
  • Me desculpe senhor, não esperava essa freada. Isso não vai mais acontecer – rebatia o artista.

A vellhinha das flores, que sentava do meu outro lado, também estava irritada com o artista:

  • Seu vagabundo, tu não tem trabalho não? Vai fazer alguma coisa da vida, homem!
  • Esse é o meu trabalho, senhora. Se não gostas, podes sentar na frente.
  • Vai te pra putaqueopariu!
  • É para onde estamos indo, minha senhora!

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