No momento em que as minhas mãos tocaram no teclado, só uma coisa vinha a minha cabeça: 9h. O relógio marcava quase meia-noite, mas eram as nove da manhã que me atormentavam. Era a hora em que a crônica minha deveria ser publicada no Botequim Literário e eu não fazia a mínima ideia do que escrever.
Falar sobre os buracos da cidade? Sobre aquela garota que sorriu na livraria? Não. Eu precisava buscar outros assuntos. Mas o que os leitores do Botequim Literário querem ler numa crônica? Se o site foi criado por mim, eu deveria saber. Mas nada vinha a mente.
Um exercício de imaginação resolveria o meu problema. Transportei-me para dentro do Botequim Literário. Uma casa antiga que foi transformada numa bodega. Aquela iluminação baixa, os pisos com desenhos na parede atrás do balcão e a enorme estante com livros no outro canto, onde os clientes poderiam ler e recitar uma poesia enquanto apreciavam nossos drinks.
Pedi uma cerveja e uma crônica no balcão. A taverneira abriu a gelada e disse que a crônica seria servida no outro dia, às nove da manhã. Maldição! A minha imaginação me traiu. Voltei ao mundo real sentado na cadeira do quarto, em frente ao notebook, tomando um copo de água. No computador, a tela do WordPress vazia, aguardando a minha crônica.
Já passava da meia-noite quando ouvi a cachorra latir. Eureka! A rua será a inspiração que eu precisava. Abri a janela e fui observar o que irritava a pequena cachorrinha. Ouvi outros latidos, dos amigos dela nas outras casas, todos unidos para acordar a vizinhança.
Vou falar sobre cachorros? Por que um late quando ouve o outro? Ou posso abordar a movimentação na madrugada. Quem são essas pessoas que ficam andando na rua depois da meia-noite. São bandidos? Malacos? Estão voltando da festa para casa?
Não. Nada disso me ajudou. As nove horas continuavam atormentando. Até porque, a essa altura, faltavam só oito horas. Jerry Seinfield escreveu um livro sobre o nada. Talvez, eu escreva uma crônica sobre a falta de assunto.
Sento novamente em frente ao computador e começo ouvir música. Rock nacional para lembrar de boas histórias. Os Raimundos faziam letras sobre o cotidiano chulo e faziam sucesso. As histórias deles podem ajudar. Passo para a Legião Urbana. O clássico Faroeste Caboclo é genial. Uma música que você nem vê o tempo passar, mesmo que ela tenha quase nove minutos. Não! Nove não. Esse número me atormenta.
Deito na cama. Olho para o teto, o ventilador parado, será que eu pego um livro? As crônicas do Gabriel Garcia Márquez são sérias, tristes, diferente das crônicas brasileiras. Mas podem ajudar.
Começo a ler em busca da inspiração. Mas quem chega é o sono. As pálpebras não ficam em pé. Não tem jeito. Eu preciso dormir e a página do WordPress continua aberta, em branco.
Fecho o notebook e decido ir dormir. O despertador está programado para às 7h, o cérebro, às 9h.