Contos

O escrivão

floripa

A chuva caia fina em Florianópolis. O frio era intenso e poucos se arriscavam a sair naquela noite estranha. Os policiais chegaram por volta das 10. A Praça XV, habitada por jogadores e dominó e pombos, estava deserta. Nem mesmo traficantes de drogas ousavam. No meio da praça, o corpo da jovem loira, com uma camisa do Figueirense, os lábios de sangue e os olhos azuis eternamente abertos.

O policial que mais se afastou do grupo para procurar vestígios é que o encontrou.  Um cabeludo, barbudo vestido roupa social, sentado em um banco com uma máquina de escrever na mão.

– Boa noite, senhor – perguntou o policial.

– Uma jovem, com aparência de 25 anos, loira, olhos azuis, cabelo comprido, entrou no recinto correndo, quando um masculino encapuzado correu atrás, dando duas facadas no tórax.  Ela tentou gritar, mas loco sucumbiu. O masculino correu na direção do túnel – respondeu o sujeito.

– O senhor mora aqui? O que fazes nesta noite na praça? – indagou o policial.

– Moro aqui atrás da Igreja. Costumo escrever todas as noites aqui. Achei uma árvore boa, não molhou minha máquina.

O escrivão foi levado à delegacia e contou todos os detalhes do que viu. Presenciou toda a cena, havia chego antes na praça. Fez o depoimento e foi liberado.

Semanas depois, um novo assassinato. Desta vez, um corpo de um senhor encontrado na Praia de Moçambique. Quando os policiais chegaram ao local do crime, desta vez uma manhã de sol e muito frio, eis que o barbudo estava novamente por perto. Vestindo as mesmas roupas da outra ocasião, sentado num toco de madeira a 200 metros da vítima.

Um dos policiais foi direto ao sujeito estranho, desta vez num tom mais agressivo que o primeiro encontro:

– Você não é o escritor que mora no Centro? O que fazes por aqui? São sete e meia da manhã e não tem nenhum carro por perto. Como veio até aqui? – questionou o policial.

– Dois masculinos adentraram a praia por volta de cinco da madrugada. O primeiro aparentava ter 40 anos, era careca e vestia uma jaqueta preta. O segundo usava boné, parecia ter 20 anos e estava com agasalho azul. Eles carregavam o senhor, aparentando ter 40 anos, e perguntaram pelo Zinho, o filho dele. O senhor não quis responder e foi executado com dois tiros – respondeu o sujeito.

Os policiais não tiveram a mesma calma do outro dia. Decidiram detê-lo. Na delegacia, voltaram a questionar como ele chegava sempre na hora do crime. O interrogado se limitava a dizer que estava escrevendo um livro e que costumava observar e anotar tudo. Dois dias depois, foi liberado.

Três meses depois, durante uma ocorrência policial no Morro da Cruz, dois traficantes rivais acabaram sendo mortos em uma casa de dois pisos. Quando os agentes da Lei entraram na residência, lá estava ele. O maluco com uma máquina de escrever dentro da casa.

Desta vez, a polícia nem deixou terminar de contar como foi o crime. Foi levado diretamente a delegacia. Investigado, descobriram que se tratava de um ex-escrivão da Civil, que pediu demissão do cargo há 15 anos. Sem parentes por perto e ninguém para defender, o sujeito foi preso e encaminhado ao Cadeião do Estreito.  Os casos de homicídio diminuíram na cidade e tudo voltou ao normal.

Dois anos depois, uma morte misteriosa chocou os agentes do Cadeião do Estreito. A polícia civil foi chamada. A vítima era ninguém mais, ninguém menos que o escrivão maluco. Foi encontrado em sua cela no começo da manhã, com a máquina de escrever nas mãos e todo ensanguentado.

Um policial se aproximou da vítima e pegou a folha da máquina de escrever. No papel, estava escrito:

“Por volta de quatro da manhã, um masculino abriu a cela usando uma chave. Era Tonhão Nove, traficante conhecido da região. Entrou no recinto e perguntou como o escrivão sabia de todos os crimes da cidade. Irritado, começou a dar facadas pe….”

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