Crônicas

O museu de leitores de jornais impressos

Olá cidadão de 2060. Seja bem-vindo ao Museu do Século XX. Neste setor, você conhecerá um espécie humana que foi muito populosa neste distinto século e durou até as primeiras décadas do século XXI: o leitor de jornais impressos.

Antes de tudo, nos séculos anteriores, os seres humanos se informavam por um produto chamado papel, um material feito a partir de fibras de origem vegetal onde você podia colocar informações como textos e fotos. Os jornais começaram por esse tal de papel, acredita?

O leitor de jornal era uma espécie humana muito interessante: eram pessoas que gostavam de se informar em casa ou mesmo em locais públicos: eles pagavam uma quantia em uma loja que eles chamavam de “banca de jornais” e saiam com um desses jornal em papel nas mãos. Então, muitos liam em praças públicas, outros em café e até em um local onde todos esses produtos em papel eram guardados; imaginem uma biblioteca, tipo essas que você tem na sua conta, em um local físico, cheio de papéis.

Faz uma foto minha daqui, eu escuto. Saio da alucinação para a realidade. E que realidade maravilhosa. Estou na Biblioteca Salaborsa em Bologna na Itália. La fora, um frio intenso e uma chuva muito fina. Aqui dentro, um belíssimo local para iniciar uma tripe pela Emília Romana. Afinal, o que me levou a alucinação? A hemeroteca da Salaborsa e seu perfil clássico de frequentadores.

Paixão e fascínio por jornais

Hemeroteca? Sim, a seção de periódicos de uma biblioteca. Estava com saudades de escrever esta palavra, que tanto ouvi durante a minha faculdade. No meu primeiro dia de aula de jornalismo foi apresentado aos calouros a hemeroteca do curso: uma pequena sala com jornais e revistas de Santa Catarina, do Brasil, entre outros periódicos. Era um lugar mais interessante que a biblioteca da Univali.

Volto para a Salaborsa. Como jornalista da transição impresso e digital, ainda fico fascinado em olhar jornais impressos de outros países. E fui logo olhando os exemplares disponíveis em italiano, mesmo que meus conhecimentos no idioma se resumam a coisas como grazie, ciao e machiatto. Mas além dos jornais italianos, chamou-me a atenção quem estava a apreciar os periódicos.

A maioria senhoras e senhores com mais de 60 anos, bem vestidos e muito concentrados. Não estavam ali meramente para folhear as páginas. Estavam alheios às outras pessoas no recinto, aos turistas que tiravam fotos do local. O que eles estavam lendo? Que reportagens intrigantes são essas? Eles vão esporadicamente ou frequentam a Salaborsa todos os dias? Vão porque não têm como assinar jornais em casa ou porque gostam dali?

Não tirei foto da espécie em questão em respeito a eles. Deixa foto da biblioteca que já está ótimo

Em tempos de jornalismo fast food com fechamento de jornais impressos, devemos preservar os leitores em papel. Embalsamados, talvez. Não me refiro apenas ao hábito de ler em papel, mas de ser tão apreciador dos jornais impressos a ponto de continuar frequentando hemerotecas. Eis um hábito bacana, que não será renovado nas novas gerações.

Amantes dos jornais impressos

Em 2007 eu tinha que escrever sobre o movimento na Biblioteca Municipal de Blumenau. Então, destaquei na reportagem um cidadão bastante economicamente desfavorável que ia na biblioteca todos os dias de manhã para ler o Jornal de Santa Catarina. Eu e o fotógrafo conversamos com ele, fomos até a casa dele, uma humilde residência em uma região pobre da cidade onde ele tinha uma biblioteca pessoal que humilha a minha, a sua e daquela pessoa que você conhece que adora livros.

São essas pessoas que motivam os jornalistas a continuarem jornalistas e não recusar um emprego de assessor de comunicação. Aliás, em Portugal preserva outro perfil: o leitor de jornal impresso em praças. Um hábito também geracional, que ainda pode ser visto nas praças e jardins das cidades, especialmente nos sábados de manhã. Essa espécie costuma andar em grupo e está sempre a carregar uma sacola com um exemplar do jornal Expresso, um tradicional semanário português que ainda ousa a publicar em formato standard.

Em suma, a Salaborsa foi um ótimo ponto de partida para a trip. Já fui em diversas bibilotecas no Brasil e em Portugal. Em todas, temos o leitor de jornais impressos preservados nas hemerotecas. Até quando eu não sei. Assino dois jornais e uma revista atualmente, tudo digital lido no tablet…

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