Balada fuleira é balada fuleira não importa o país. Quando aterrissei em Portugal, fui levado a um desses “estabelecimentos” como ritual de sociabilização em outras terras. País diferente, os mesmos elementos: cerveja barata, DJ em modo aleatório, chão grudento, fumaça de cigarro, aquela turminha da pista, a turminha dos mais reservados…Mas na minha primeira (e uma das poucas) experiências em Portugal teve um elemento a mais.
Esses recintos são lares de acasalamentos de jovens, mas tinha um cidadão ali fora dos padrões. Um senhor de idade, quase careca, meio corcunda, dançando no meio da pista mais louco que o Batman. Poderia ser mais um bêbado que entrou na festa de penetra, mas aquele senhor ali era a atração da festa. Era uma celebridade. Era o Manteigueiro.
Primeiramente, o Manteigueiro não era apenas um bêbado da Covilhã. Era uma espécie de embaixador da pequena cidade no pé da Serra da Estrela de Portugal. Muitas cidades têm o seu bêbado de estimação, mas o Manteigueiro era mais que isso. Um DJ nato, perambulava pelas ruas das montanhas com um rádio no ombro, com uma playlist variada que merecia ter um destaque na capa do Spotify.
Além das festas, era visto sempre no jardim público da cidade, onde costumava chegar em grupos de jovens com seu rádio, tornando-se rapidamente a atração do grupo. Os vira-latas da Covilhã, talvez, tivessem ciúmes de sua atenção. Sua popularidade entre os estudantes da Universidade da Beira Interior fez com que ele fosse virar tema de festa acadêmica. Com justiça, claro!
O Manteigueiro
Manteigueiro era o mais famoso de um grupo de bêbados que vivia perambulando nas ruas do centro histórico. O Papai Noel, o Cigano e o cara do violão e camisa da seleção de Portugal completavam o time do folclore etílico covilhanense. Eles tinham um bar para chamar de seu e eu sempre quis escrever um livro chamado Bebuns Fantásticos e Onde Habitam.
Além do seu carisma de bêbado musical, o Manteigueiro tinha uma história de vida de tornava o personagem ainda melhor. Antes de ser um velho bebum, foi o ladrão mais famoso da cidade. Foram mais de 30 anos com inúmeras prisões por roubo de joias e outras ourivesarias. Ele contou a um jornal da cidade que fugiu 45 vezes da prisão, uma vez só para tomar café.
Vou repetir: 45 vezes! A série Prison Break deveria ser sobre a vida dele. O folclórico bebum do rádio já foi um gênio no crime, mas sabe como é, cansou e aposentou.
Prison Break das montanhas
A história de José Matos (sim, esse é o nome dele) me intrigou tanto quando eu li a notícia do jornal, tive a ideia de entrevistá-lo e fazer um especial para um projeto jornalístico que tinha criado na cidade. A ideia era aproveitar um momento em que ele fosse no meu grupo de amigos no jardim público para conversar. Porém, a ideia falhou miseravelmente. Não entendi muito o que ele disse e passei a achar que uma história dele contada pelos outros seria melhor.
José Matos, o Manteigueiro, morreu nesta terça-feira, 21 de março de 2023, aos 69 anos. Enquanto escrevia esta crônica, não tinha a informação do motivo da morte. Como a reportagem nunca saiu, um pequeno texto era necessário nesta data. Por fim, entendo que abrir uma cerveja e ouvir uma música sem fone de ouvido é outra forma de homenageá-lo.